o Povo – Como surgiu a ideia para começar este projecto intitulado “Edifícios e Vestígios”?
Inês Moreira – Guimarães, tal como tantas outras cidades europeias, tem um vasto parque industrial em uso e em estado de abandono. Um dos usos que a cultura explora nos edifícios da antigas indústrias é enquanto espaço de exposição, de espectáculos e de eventos, como na Fábrica ASA, na LX Factory em Lisboa, ou no Matadero em Madrid. Conhecendo esta realidade, procurámos ir além da fábrica enquanto contentor temporário e procurar outros destinos, dos usos informais, às abordagens técnicas das engenharias, aos testemunhos dos trabalhadores que aí passaram parte das suas vidas. A ideia foi expandir a leitura do passado e do futuro destes espaços, para além dos usos de um edifício.
oP- Numa altura de debilidade da indústria têxtil no Vale do Ave, esta pode ser uma nova forma de pensar os espaços pós-industriais e pensar nas suas potencialidades? Acredita que esta exposição pode ser uma exposição com um significado especial para esta população tão ligada à indústria?
IM – Este projecto repensa o património industrial e a memória do passado local através de disciplinas contemporâneas como a arte, o design, o cinema, mas também a engenharia, a arquitectura e a conservação e restauro. Abordámos o passado explorando várias possibilidades para o seu uso futuro, por exemplo, o Arquivo da Fábrica Confiança trabalhado pelo designer Nuno Coelho mostra o passado áureo daquela fábrica, e toca o nosso imaginário colectivo, mas interessa-me especialmente a investigação técnica e a sistematização ali investida, que poderão vir a dar origem a um Museu sobre aquela empresa. Do mesmo modo, o uso do mobiliário e de achados da Fábrica ASA, além de criar uma cenografia efémera, abre caminho para um levantamento mais sério da herança da produção industrial. Ou ainda a mostra da colecção de rótulos de fábricas têxteis do Sr. Meireles e do Sr. Raimundo, dois coleccionadores locais, é sedutora em termos de visualidade local e permite-nos rever os assentamentos industriais, as suas fábricas, chaminés açudes, e outros elementos de interesse espacial. Construímos um remate de chaminé de tijolo com 5 metros, uma técnica desaparecida há mais de 50 anos que tivemos de reinventar com a FEUP. Também o nosso livro explorará a visualidade de catálogos luxuosos dos anos 60, encontrados há dois anos em fábricas têxteis abandonadas, e reinventando o design técnico e a imagem de catálogo. No fundo, creio que a exposição toca o público local mas tem uma forte ambição de ir além em termos de investigação e de metodologias para o futuro.
oP – Edifícios e Vestígios foi um projecto que demorou quanto tempo a ser preparado? Quantas pessoas estiveram envolvidas nesta “criação” que envolve uma série de componentes?
IM – O projecto é uma grande exposição e um livro, e esteve apoiada num trabalho de investigação de cerca de 2 anos. Montámos uma equipa multidisciplinar e internacional interessante, sendo a outra curadora (Aneta Szylak) ligada à literatura e eu arquitecta, convidámos artistas e criadores de diversos países na Europa, e depois estendi a equipa a um grupo de profissionais que cruzam a excelência da investigação académica com a forte produção cultural: historiadores, museólogos, arqueólogos, designers, arquivistas, fotógrafos, conservadores, todos eles produziram novos projectos explorando a experimentação dentro de cada uma das áreas. Foi um desafio muito grande para todos nós, uma equipa de cerca de 50 pessoas, entre autores, investigadores e técnicos. Envolvemos também projectos existentes na cidade, como o Reimaginar Guimarães, a Associação Muralha, a ACIG, a ADRAVE, ou a Sociedade Martins Sarmento.
oP – Desde que abriu ao público a exposição, em Setembro, qual tem sido o feedback recebido?
IM – Um nível muito interessante é que a exposição está a circular “boca-a-boca” pois toca pessoas muito diversas que chamam públicos locais: famílias de trabalhadores e ex-industriais; artistas e criadores; vizinhos da fábrica ASA que com curiosidade participam nos eventos e nas refeições colectivas. A um nível mais profissional, as diversas comitivas de estrangeiros que nos visitaram estabelecem paralelismos com outros sítios industriais na Europa e com eventos culturais de ambição como a CEC2012. Teremos visitas guiadas todos os sábados para explorar temas específicos, como a têxtil, as minas, ou a técnica. Não sendo um projecto fácil, foi pensado para chegar a um público muito abrangente (inclusivamente na informação fornecida pelas tabelas). Gostávamos também de ouvir os ecos na imprensa local…
oP – Em Dezembro sairá o livro que será o resultado, no fundo, deste processo criativo. O que espera poder vir a contar neste livro?
IM – O livro regista o projecto em duas linhas que são uma excepção no panorama português: dando espaço para o registo na 1ª pessoa às diversas metodologias e disciplinas que se envolveram na investigação, sublinhando o carácter investigativo e experimental; e documentando de um modo bastante detalhado esta exposição com cerca de 3000m2, que é uma oportunidade única de poder realizar e ver acontecer. Espero assim que este seja um modo de podermos transmitir o processo por detrás do conceito, bem como a experiência da visita à Fábrica ASA, neste final de 2012.